sexta-feira, 29 de junho de 2012

quinta-feira, 28 de junho de 2012

às duas da noite

Entrego-me à sordidez da minha preguiça, escrevendo sem saber pra quê, saboreando a música e a fumaça. No céu, a lua se faz cada dia maior enquanto nós continuamos a ser pequenos. Neil Young adentra na minha noite e docemente deixo tudo pra depois. O dia hoje não foi exatamente produtivo, e nem totalmente desperdiçado. A cidade dorme quieta na janela, como de costume, às duas da noite, e eu cheia de nostalgia das horas perdidas. Neruda me dizia agora pouco que nunca compreendera porque chamavam duas da manhã. Estou cheia, de tanto engolir as horas caladas da noite. Meus dedos regurgitam palavras esquecidas nos confins do corpo, que lembra da vastidão do mundo e logo se esquece. As notas musicais envolvem suavemente a noite outonal. No silêncio, dançam personagens de tempos nunca conhecidos, que se amaram em cidades distantes.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

a esperança maldita


A primavera sanguinária dos bosques despertou.* Esse verso pairava na cabeça de Roberto naquela noite. Era o segundo dia de primavera e ele ainda não sentira toda aquela leveza, toda aquela alegria e esperança que emanavam da terra costumeiramente por esses dias. Não sabia ao certo se era culpa sua, se estava mais insensível com o passar dos anos ou se era culpa mesmo do aquecimento global, que misturava as estações e deixava tudo meio caótico. Lia num livro naquela mesma tarde alguns devaneios sobre a esperança. Que era ela talvez o único sentimento externo a toda humanidade, algo que sentimos, mas não nos pertence. Que pertence à própria vida, é a expressão mesma da vida que faz com que os seres que padecem dos mais infames sofrimentos sigam a viver sobre a terra por vontade própria, por essa coisa que os alimenta desde dentro, que vem da terra, do chão, das profundezas e que sobe, sempre ascendente, sempre pra fora, pra frente, pra vida, com toda a sua luz verde que cega os olhos dos videntes. Saiu subitamente da sacada e foi revirar suas coisas, montes de papel cheios de anotações, em busca daquele poema. Buscava mesmo a própria esperança. Encontrou. 

*verso de pablo neruda

terça-feira, 19 de junho de 2012

despropósito

É impressionante que só tendo uma palavra tenha-se tudo e daí se sucede essa coisa da vida andar pra frente e uma coisa levar a outra e assim numa sucessão sem fim de qualquer coisa absurda que a gente não desiste de tentar engavetar freneticamente ou pelo menos etiquetar e agrupar em categorias para que se sinta seguro de viver em um mundo coerente e sem saber que isso é a última coisa que o mundo pode ser. e enquanto isso o mundo segue a esbanjar sua indiferença perante a tudo que a gente possa pensar e tentar dizer ou qualquer coisa que o valha e segue sendo mundo e a gente tem que aceitar o absurdo que é o sol nascer todo dia mais ou menos na mesma hora e no mesmo lugar e tentar atravessar os dias todos a cuidar e carregar esse corpo que deram pra gente e que a gente não é, sem saber de nada e a saber unicamente que nunca poderemos saber coisa alguma e que é tudo uma questão de dar um passo adiante ou pro lado ou para trás e que no fundo nada disso faz a menor diferença e que estamos todos presos na insanidade que é a vida e o mundo. E não importa se dentro de cada um é noite que o sol radiante vem. 

sexta-feira alegre


Dedos insones e cheio de náuseas e de preguiça quieta e satisfeita e o quarto cheio de musica e toda sobriedade que paira no ar e esmaga qualquer coisa dentro da minha cabeça e eu vagarosamente aperto teclas e teclas e isso é tudo que me consola nessa noite de porto alegre de primavera alegre de uma sexta-feira alegre que eu ignoro e de todos os bêbados que circulam pela rua na cidade baixa a essa hora, passando pela minha janela sem saber que os vejo e escuto com indiferença enquanto lamento que meu cigarro tenha acabado e hesito.
É tão simples afinal de contas decidir-se a cada momento que
 
É tão livre afinal de contas que até
Sim, eu sei.
Mas é bem provável que eu nem ligue.

Obrigado


o silêncio que vem do fundo da terra,
escuro e infinito,
organiza a minha existência
desde o centro.
E eu escuto,
calmamente.

bem assim

a troca de afetos poderia ser algo simples e prazeroso para todas as pessoas envolvidas e interessadas. porém, eis que surgem pensamentos que subvertem a simplicidade, cheios de argumentos que não tem nada a ver com nada.

domingo, 17 de junho de 2012

os mares que nunca vi

De vez em quando vinha aquela tristeza que até boa era. Nesses dias eu sentia um pesar por todas as coisas que eu nunca fiz e nunca farei, por todas as pessoas que eu não conheci e os mares que nunca vi. Era difícil no início. Logo que começaram a me aparecer diante da cara esses momentos era sempre como adormecer um segundo ao volante na estrada, e mais uma vez adormecer um segundo ao volante na estrada, às vezes mais. E com o tempo, essa dor dos mares que eu nunca vi não foi passando. Mas a gente se acostuma com tudo, o ser humano é bicho muito calejável. Hoje, pelo contrário, é até alegre nosso encontro, recebo-a com uma saudação cordial e corriqueira, e ela vem ter comigo. Às vezes enche meu peito de silêncio e eu sinto que posso respirar todo ar do mundo porque o ar que eu inspiro vai pra lugar nenhum, e o vazio e o silêncio me trazem uma paz que está ao mesmo tempo no centro do peito e no ouvido, e eu sinto amor e saudade de todo mundo. E eu sinto um sorriso monalisa nos meus lábios que eu sei que não dá pra ver pelo lado de fora. E sei que isso só pode ser coisa das dores de mar, ou de alguma força que esteja silenciosamente agindo na minha vida botando lentamente tudo no lugar, como se cada minuto fosse ser melhor que o anterior. E me ocorreu que talvez isso fosse a esperança maldita mas meus olhos disseram que não, que é apenas a constatação de que tudo está mesmo ficando melhor o tempo todo, e até as coisas ruins já não são tão ruins depois de algum tempo, e não há com o que se preocupar.


sábado, 16 de junho de 2012

coragem, fia, coragem

meu coração nervoso se debate cego e sozinho dentro de um quarto branco, cheio de doçura e silêncio. acordo e abro os olhos, uma lágrima de beleza me nasce no canto do olho. espero. escorre.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

prelúdio de uma escrita sem fim

e eis que andava quase acostumada com o mofo e a umidade, ali daquele cômodo escuro que era ela. aí veio a vida, assustadoramente linda, escancarar de súbito portas e janelas. e todo aquele desvario de luz entrando, as plantas, contra sua vontade, começando a reviver nos vasos e a florescer. os olhos, não acreditando na beleza que viam, quedavam-se mudos, deslumbrados.

saudade filha da puta

Meus olhos cansados, sedentos de noite, querem ver-te azul. Meus olhos verdes, marejados de blues, querem-te hoje. Ah, como queria falar-te. Apenas assim trocar palavras despretensiosamente, a lua a rasgar nosso céu no horizonte. Sob a chuva de estrelas imaginárias quero ver-te. Quero ver-te apenas, e fim. Meu teclado lacrimeja ao som da bossa nova enquanto estou aqui a querer-te perto. Quase não posso contar as noites que sonhei contigo nesses dias ociosos. Não gosto de acordar com sensação de tu sem tu, não gosto de acordar com a tua ausência a me abraçar e se fazer presente. não gosto de não conhecer-te, e mesmo assim conhecer-te muito. Tenho medo. Sempre tive. Não gosto de inventar-te dia-a-dia, sem saber que gosto tens. Não gosto do medo que eu sinto de desconfiar de ti, não gosto de confiar em ti e tenho medo tanto de gostar quanto de não gostar. E a cadência de palavras etílicas, de alto teor alcoólico, me faz desconfiar mais ainda, dessa minha mania de inventar e ter medo sempre, e de fazer tudo junto, e ser a água e ser o vinho ao mesmo tempo ou de mudar assim de água para vinho assim tão rápido que nem a gente mesmo pode ver (muito menos a gente) e que parece mesmo muito louco, e talvez seja mesmo assim isso de sentir tudo junto e de não querer sentir tanta coisa, e de querer sentir qualquer coisa que não seja isso. Tudo isso me da uma certa raiva da tua pessoa, porque sentir raiva é sentir algo, e há algo que é necessário sentir nisso tudo. E a mais pura verdade é que eu sinto uma saudade filha da puta que me põe a escrita nervosa e me faz querer dizer tudo sem dizer porra nenhuma, só pra ter certeza que no fim das contas tu vai entender, mesmo que não seja fácil ou viável. E eu gosto de saber que eu escrevo para que tu desvendes, e só tu desvendes. E o medo é algo que eu sempre tenho nessas horas. e no final das contas, é triste saber que tu és só, só, e somente só mais um vício na minha vida bandida e perdida, que há tanto tempo não me faz lembrar do laranja que existe na tua companhia. Ou que eu só imagino. Imagina se ao menos existisse, imagina só, todo aquele laranja que sai do nosso corpo porque é nosso, mas só nos pertence quando estamos juntos. Eu nem gosto de imaginar de medo que tenho de desejar o laranja e botar tudo a perder, ou mesmo dar-me conta de que tudo sempre esteve perdido. Na verdade, é uma maldição das brabas essa de ter esperança. Odeio que tu me dês esperança, porque eu já tive e já perdi, e já aprendi a viver sem esperança nem inocência, por mais que isso possa perecer rude para uma alma assim sensível como a tua. Detesto ter que dizer-te que a esperança e a inocência são apenas a lembrança de um sonho que achamos que um dia tivemos na tenra infância, mas que nunca existiu. E porra, tenho boca suja até no papel, mas porra, vai te fuder, caralho. E trate de passear o mais longe possível (e o mais perto, sempre) dos meus inúteis e amargos pensamentos. Porque a velhice me pegou de jeito e já não mais tenho pique pra essas coisas todas, joviais como tu. 


porto alegre, verão de 2011

quinta-feira, 14 de junho de 2012

ontem

O encanto se partiu, se partiram as taças de cristal, a fina camada de gelo sobre o lago partiu-se. Só os espartilhos sobraram intactos sob a noite trincada. A noite gritou tão alto que estraçalhou os vidros dos prédios antigos, os antiquários todos morreram, foi um naufrágio sem fim de cacos de vidro, e pequenas gotas de sangue cortaram o espelho. Ele não viu nada. Dormia placidamente, nem sentiu os espinhos sobre a sua pele. As rosas desesperadas choraram tanto que inundaram o hall com suas lagrimas doces, que exalavam um aroma insuportavelmente belo, que agrediu as narinas dele, e o acordou.